Notas sobre o casamento na Aldeia da Mata (III)
TRABALHOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA
«DR. MENDES CORRÊA»
FACULDADE DE CIÊNCIAS DO PORTO
Director – Prof. Doutor A. Rozeira
Nº 10
Notas sobre o casamento na Aldeia da Mata
Por
Agostinho F. Isidoro
PORTO
1971
«...A voda ou função, designações que se dão ali à festa do casamento, tem normalmente a duração de dois dias e um quartel: tarde de sábado, todo o domingo e toda a segunda-feira seguinte.
Esta festa é realizada pelos pais dos noivos separadamente uns dos outros, isto é, os pais do noivo realizam-na em sua casa e os da noiva na sua casa também.
O dia da cerimónia religiosa ou civil é geralmente o domingo. No sábado de tarde e no domingo os noivos comem ainda na casa dos pais. Na segunda-feira o pequeno almoço é-lhes levado a casa deles da casa dos pais dele ou dela. As refeições seguintes, nesta primeira semana, são-lhes oferecidas, ora na casa dos pais do noivo, ora na casa dos pais da noiva. Por isso diz-se ali que na semana a seguir ao casamento os noivos andam ainda a comer da voda.
Durante os dias da voda, as refeições, que são abundantíssimas, são servidas, separadamente nas casas dos pais dos noivos.
Os pais dos noivos chegam a matar uma dúzia de cabeças de gado (ovelhas ou badanas e cabras) (fig.1) e vários galináceos.
Nestas funções não falta o arroz de maranhos (arroz cozido com pequenas porções de intestino delgado do gado abatido), as sopas de sarapatel (1), o afogado (2), o cozido à portuguesa, os bolos, o arroz doce, o vinho em abundância, etc..
Estas iguarias são cozinhadas em grandes panelas e caçolas de barro, compradas a oleiros e Flor da Rosa, que no dizer do povo, lhes conferem um sabor especial (3).
Chegada a hora da cerimónia nupcial, na tarde de domingo, os noivos, preparados em casa dos seus pais, despedem-se deles pedindo-lhes a bênção e abraçam a família mais chegada. São momentos de choro para todos, por se recear da sorte dos nubentes.
Agora o noivo, acompanhado dos seus convidados (fig. 2), deixa a casa paterna e vai a pé buscar a noiva, que se encontra em casa dos pais dela. Aqui forma-se o cortejo nupcial. A noiva vai à frente vestida a rigor, ladeada pelos seus padrinhos, todos seguidos pelos convidados (fig. 3). Os espectadores, entre os quais há amigos dos noivos, mas que não foram convidados e muitos curiosos (fig. 6), formam grupos ao longo do trajecto do cortejo nupcial.
Terminada a cerimónia, os noivos, ao lado um do outro e com o acompanhamento atrás, regressam a casa dos pais da noiva (fig. 4), onde esta ficará até à noite, à espera que o noivo e os convidados a vão buscar.
Aqui a madrinha da noiva, colocada na janela da casa ou na soleira da porta, atira aos convidados e a pessoas estranhas ao casamento, que sempre se juntam nessa ocasião na rua em frente à casa, amêndoas, rebuçados, nozes e amendoins (ervelhanas). Isto dá origem a grande rebuliço e até a gritaria, pois todos querem apanhar à uma o que a madrinha lhes atira. É altura para encontrões, quedas e às vezes atritos pessoais.
A seguir é servido um copioso copo de água a todos os convidados, constituído especialmente por muita variedade de bolos e diversas bebidas, após o qual o noivo com os seus padrinhos e todos os convidados se dirige para casa dos seus pais (fig. 5), onde a sua madrinha atira também amêndoas, rebuçados, etc.
Aqui é servido outro copo de água a todos os convidados, semelhante ao anterior.
O resto da tarde de domingo é destinada a divertimentos. Uns dão voltas às ruas em grupos, outros, os mais jovens, realizam balhos, que se prolongam pela noite adiante. (...)»